
Dobro a decepção
Ao meio
Redobro
Dou-lhe forma
De barquinho
De papel
Outro barquinho
Outro barquinho
Em pouco tempo
Armo uma esquadra
Que se despede
E navega pelo mar
O ruído
Do silêncio
Muita vez
É capaz
De ferir-me
Os tímpanos
Mais até
Que a verborragia
Da metrópole
O aconchego
Da poesia
É o bálsamo

O amor pode tudo
Tudo
Até fazer
De meu joelho
Duro
E
Ossudo
Um macio
Travesseiro
Para meu cãozinho
Poodle

Eu não queria
Muita parcimônia
Na vida
Queria uma vida
Um pouquinho
Extravagante
Jaspe
Lápis-lazúli
Zircônia
Não carecia
Diamante

A Lua
Parece ter
Passado
Um pompom
Com muito
Pó-de-arroz
Na face
Está tão pálida!
Faz-me lembrar
A Whiter Shade of Pale
Do Procol Harum

Uma tímida
Casinha
Num desterro
Implantada
Uma casa
Sem requinte
Uma casa
Desolada
Tinha tudo
Pra ser triste
Tinha tudo
Pra ser nada
Mas povoada
De flores
Tornou-se
Taj Mahal
Deve haver
Um marajá
Meditando
No quintal
(A província
Agora é Agra )

No Japão
Tudo é diferente
O sol nascente
Tem outra cor
Não é a flor
Que enfeita
A menina
É a menina
Que enfeita a flor
Decidi cozer a vida
Com esmero
Fogo brando
E um bom tempero
Tudo em medidas
Calculadas:
Nada que falte
Ou que sobre
Pra que o prato
Simples
Seja nobre
Prato rico
Ainda que a mesa
Seja pobre
Todo santo dia
Bebo
Uma taça
Umas poucas vezes
Fel
Geralmente
Mel
Ainda que eu
Tenha
De fazer o papel
De alquimista

É carnaval
Outra vez
Rei Momo ordena
Que eu vá
Aos meus guardados
Obedeço
Revejo fotos antigas
E
Minhas velhas
E lindas fantasias:
Havaiana
Cigana
Odalisca
Só lamento
Que exalem
Odor de mofo
E
De naftaleno
Temo que
Com o meu espírito
Frágil
Pequeno
Ocorra o mesmo

Meu coração
Traz as cores
Das penas
Da águia chilena
Cambiantes
De negro
E branco
Com alguns
Laivos cinzentos
Sempre num
Murmúrio triste
Sempre a mesma
Cantilena

Carteiro!
Tem carta pra mim?
Não?
Nenhuma carta
Nenhum e-mail
Nenhum sinal de fumaça
Uma pergunta
Pra vida:
Qual é a graça?

Ao longe
Um homem
Apregoa
Olha a vassoura
Olha a vassoura
Um cão ladra
A tarde
O sol doura
A lágrima
Salmoura
Escorre-me
Pela face
E
Salga-me
A boca
Penso no mar

A Terra
É azul
De raiva
Queria ser verde

A vida passa
Aos poucos
Vai se tornando
Difícil
Lembrar
O aspecto
De uma simples avenida
O nome
De uma rua
De uma praça
Um verso
De Castro Alves
A cor
Da plumagem
De uma garça
Difícil lembrar
Um tempo
Em que a vida
Tinha graça
Difícil lembrar...

Não sei mais
Quem sou
A goteira
Estragou
Meu último
Retrato
Uma fotografia
Antiga
Três por quatro

Quando
O galo canta
Pela madrugada
Não digo nada
Penso...
Lembro-me
De um tempo
Em que a tristeza
Não fora ainda
Inventada
Éramos tantos!